Imaculada Kangussu & Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa
O Partenon, templo construído no século V antes de Cristo, no alto da Acrópole, em Atenas, em homenagem à deusa Atena, tornou-se símbolo da arquitetura grega clássica. Suas formas permanecem inigualáveis em termos de harmonia, graça e beleza arquitetônicas. Originalmente, a estatuária em mármore dos frontões, frisos, e paredes, narrava o mito da deusa da inteligência guerreira, observada pelas figuras dos outros deuses. Hoje, essa narrativa se encontra fragmentada. A metade das estátuas e relevos foi transportada, para a Inglaterra e se encontra exposta no Museu Britânico. As razões dessa transposição, sem a permissão do povo grego, são difíceis de traduzir. Elas carregam uma cultura e um tempo que já não existem. A idéia de preservar sem um contexto estético, é já, absolutamente, ultrapassada. A idéia de se apropriar da herança artística de um povo é abominável. O retorno e a reunião dos mármores na Grécia é, atualmente, uma demanda feita não apenas em nome dos gregos e sim da herança cultural da humanidade.
O governo grego construiu o novo Museu da Acrópole, inaugurado em 2009, que está preparado para receber de volta os mármores retirados e restituir não somente a unidade à obra desmantelada, mas integrá-la à Acrópole, pois do Museu se pode ver o Partenon e o visitante pode compor a obra novamente em sua visão original. Com o objetivo de reunificar as peças estruturais e arquiteturais do antigo templo no novo museu, foi criado, em março de 2006, o Comitê Brasileiro para a Reunificação das Esculturas do Partenon. Existem também outros Comitês com a mesma função na Alemanha, Austrália, Austria, Bélgica, Chile, Chipre, Espanha, Estados Unidos, Itália, Nova Zelândia, Rússia, Sérvia & Montenegro, Suécia e até mesmo na Inglaterra e em outros países. A Diretoria Executiva do Comitê Brasileiro é formada por Jacyntho Lins Brandão (UFMG), Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa (UFMG), Imaculada Kangussu (UFOP), Antônio Martinez de Resende (UFMG) e Celina Lage (UEMG). O Comitê Brasileiro é membro da International Association for the Reunification of the Parthenon Sculptures.
Caso pareça estranho a alguns o fato de que em um país tão espoliado em suas próprias riquezas se levante a bandeira da causa de uma outra nação, ao Comitê Brasileiro parece ingênuo desconsiderar a perda, agora recuperável, felizmente, de um patrimônio marcado pela originalidade e harmonia que só se resgatam plenamente no contexto estético grego. A retirada dos mármores e a destruição parcial do monumento é um caso singular no qual se pode perceber certa universalidade do processo histórico. É de se lamentar que nem todas as mutilações, poucas na verdade, possam ser remediadas. Além disso, a história da Grécia é parte de nossa história. E a forma atual de exposição no Museu Britânico quebra toda a narrativa imagética, tortura a forma dada pelo artista que a criou e confunde o entendimento e a possibilidade de apreciação da obra. Compreende-se que pelo fascínio provocado por suas belas formas, tenha-se querido mostrar essas esculturas ao mundo em um museu, contudo, a época de mutilações e violências tem que passar, sua manutenção no Museu Britânico deixa-as deformadas por falta do contexto arquitetônico, geográfico e climático para os quais elas foram concebidas.
Os argumentos contra o retorno dos mármores são os seguintes:
- Eles foram legalmente comprados dos turcos, quando estes dominaram a Grécia;
- O objetivo do transporte era salvá-los da destruição;
- Os gregos seriam indiferentes a seus antigo tesouros;
- A poluição atmosférica tornou-se uma praga em Atenas e um risco para os mármores.
Estas foram as razões apresentadas, em novembro de 1983, para recusar o pedido oficial do governo grego de ter de volta as esculturas. E, contra elas, basta um único argumento:
- os mármores foram negociados em tempo de dominação e pelo conquistador.
O responsável pela retirada dos tesouros de seu lugar original e remessa a solo inglês foi Lorde Elgin, que, em 1799, ao ser designado como embaixador britânico para Constantinopla, decidiu levar a cabo o plano que confessava ter tido desde jovem: colocar-se a serviço das Artes promovendo a familiaridade de seus conterrâneos com a riqueza artística da Grécia Clássica. No ano seguinte, 1800, enviou a Atenas uma equipe de pintores, arquitetos, escultores, encabeçados pelo artista napolitano Giovanni Battista Lusieri, que, em troca de exorbitante pagamento per diem aos turcos, conseguiu licença de penetrar na Acrópole e desenhar suas obras. O passo do ano seguinte, 1801, foi obter a permissão de tirar qualquer escultura ou relevo “para um olhar mais cuidadoso”, através da assinatura do Sultão, que se referia ao Partenon como “templo dos ídolos”. Em dezembro deste mesmo ano, Elgin escreveu a Lusieri: “eu quero exemplos de cada cornija, cada friso, cada coluna, da decoração do teto e da base dos pilares, do ordenamento arquitetônico de cada métopa e, em geral, de tudo quanto possível”.
Na Inglaterra, Elgin exibiu as peças primeiramente dentro de um grande hangar, em sua propriedade, para visitantes selecionados. “A vista dessas esculturas, junto com o pensamento de que os olhos de Sócrates e de Platão as viram, fascina-me”, escreveu o artista inglês Benjamin Robert Hayden. Ao vê-las, o pintor suíço Henry Fuseli teria exclamado: “os gregos eram deuses!”. Os mármores permaneceram no empoeirado e úmido depósito até 1811, quando Elgin os ofereceu ao governo britânico por 60 mil libras e recusou a contraproposta de 30 mil. A coleção foi transferida então para Burlington House, propriedade do Duque de Devonshire, e sua fama cresceu juntamente com seu tamanho. No Times, de 8 de fevereiro de 1814, um cabeleireiro publicou o anúncio de um novo estilo de penteado “inspirado nas figuras do Partenon”. Influência que se percebe também na arte e na arquitetura inglesa da época. A igreja de St. Pancras, em Londres, é exemplo típico, com suas cariátides e outros elementos clássicos.
Finalmente, em 1816, um comitê do governo inglês decidiu que “nenhum outro país pode oferecer abrigo tão honorável aos mármores de Fídias e Péricles como o nosso, onde, a salvo da ignorância e da degradação, eles receberão a admiração e a reverência devidas; eles servirão de exemplo a ser imitado” e estabeleceu o valor de 35 mil libras pela coleção, que Elgin, decepcionado, viu-se obrigado a aceitar, pois a umidade estava deteriorando as figuras. As obras foram levadas para uma galeria provisória do Museu Britânico, em 1831 transferidas à que ficou conhecida como Sala Elgin, e em 1928 para o local onde hoje se encontram, financiado por Lord Duveen e que leva o seu nome, muito distantes da moldura arquitetônica à qual pertencem.
O argumento de que o objetivo do transporte era salvar os mármores da destruição é insustentável diante dos danos irreparáveis causados por Elgin ao mutilar as esculturas e fatiar as colunas, para facilitar o transporte e ao mantê-las em ambientes impróprios, sob condições climáticas muito diferentes das originais.
A respeito da pretensa indiferença do povo grego em relação a sua valiosa herança artística clássica, insistimos em lembrar que ela foi retirada durante a dominação turca. E há até uma lenda que narra a recusa dos gregos de carregarem da Acrópole ao porto do Pireu as caixas de madeiras, que embalavam as figuras, por acreditarem ouvir gritos e lamentos emitidos pelas estátuas encaixotadas. No livro A Classical and Topographical Tour through Greece, de 1812, contemporâneo de Elgin, o scholar Edward Dodwell testemunha a veneração dos gregos pelas antigas esculturas, sempre colocadas, pelos que as possuíam, sobre a porta principal da casa como guardiãs do lar. Também Lusieri escreveu a Elgin sobre a impossibilidade de retirar toda a colunata das cariátides, e da dificuldade de levar mesmo uma só, “pois os gregos lhes são muito dedicados”.
Quanto à poluição da atmosfera ateniense, trata-se de um pretexto inaceitável, pois os mármores foram muito mais prejudicados pelo ar fortemente poluído de Londres do que teriam sido em Atenas, onde a poluição é um fenômeno recente.
Um último argumento, baseado no temor de que a devolução das obras abrirá um precedente que poderia levar outros países a seguirem o exemplo e transformarem os museus em construções vazias, não pode ser aplicado no caso: é distinta a proposta de reunificação de uma unidade cindida de pedidos que poderiam ser feitos, exemplificando, da Holanda pelos Rembrants ou da França pelos Van Goghs.
Além disso, e mesmo desconsiderando se os argumentos têm ou não validade, o fato é que uma obra deslocada de seu lugar original, com o qual é consonante histórica e esteticamente, perde muito seu valor, como bem advertiu o filósofo Walter Benjamin. A Acrópole é muito mais visitada do que o Museu Britânico, e a insistência deste em manter os mármores em Londres contraria a crescente atmosfera de cooperação internacional – com apoio inclusive da opinião pública inglesa – em favor de sua reunificação. Tanto a UNESCO quanto o Parlamento Europeu apóiam o retorno das esculturas. O Partenon é o símbolo da democracia, da liberdade, dos ideais humanísticos, exemplo da arte grega clássica no auge de sua perfeição, e a reunião de sua estatuária permitirá ao publico partilhar a história que ela conta, que é a nossa.
Acrescentamos ainda que não se pode admitir, em tempos do século 21, que se retire de um povo a sua história!
Para concluir, lembramos que a demanda é antiga, conforme se pode ler no Childe Harold, de Byron, contemporâneo de Elgin, onde são considerados frio o coração e cegos os olhos que não choram ao ver as paredes gregas feridas por mãos britânicas a raptarem, para o abominável clima inglês, os deuses tiritantes:
Cold is the heart, fair Greece, that looks on thee,
Nor feels as lovers o’er the dust they loved;
Dull is the eye that will not weep to see
Thy walls defaced, thy mouldering shrines removed
By British hands, which it had best behoved
To guard those relics ne’er to be restored.
Curst be the hour when from their isle they roved,
And once again thy hapless bosom gored,
And snatched thy shrinking gods to northern climes abhorred!